terça-feira, 10 de novembro de 2009

E quem diria que Microfone também cantava?!


Por Cinthia Ferreira

Homem franzino, de boina e sempre disposto a uma boa conversa. Aos 84 anos, Microfone, Abdénago Sousa de Leite, é considerado um patrimônio vivo do Mercado de São José. O que poucas pessoas não sabem, é que ele é, também, cantor e compositor. Entre suas criações, estão marchinhas de carnaval e sambas românticos.

“Ai que vontade de comer biscoito e andar muito de V8 na praia do Pina. Ver as meninas todas de maiô, pegar meu carango fanho e tocar a buzina. Fom! Fom!”. Suas inspirações são tiradas da sua experiência de vida ou, até mesmo, de assuntos do cotidiano. Como é o exemplo da marchinha de carnaval “A mulher que matou o marido com a tampa do pinico”, que foi um caso policial da sua época de juventude. Ele se diz influenciados, principalmente, por Charles Chaplin e Cartola.

Microfone nasceu em 1925, na praia de Ponta de Pedras, situada na cidade de Goiana, Litoral Norte pernambucano. Em 1936, seu pai, que era coronel do Exército, mudou de regimento e trouxe a família para morar no bairro de São José, no Recife. “Ao chegar aqui, fiquei alumbrado”, disse em contextualizando o saudoso Manoel Bandeira. E desse lugar, nunca mais saiu e fez história.

Em 1995, Microfone participou do programa Brasil Legal, da Rede Globo, apresentado por Regina Casé. Se antes era conhecido como o bom de papo e o inteligente, ficou mais ainda. Pessoas famosas como o ator Selton Melo, o cineasta Guel Arraes, o ex-prefeito de Jaboatão Nilton Carneiro, Dilson Peixoto e o jornalista Geneton Morais Neto vêm de várias partes do país para ouvir e ter a boa conversa do homem mais conhecido do bairro de São José.

Microfone. Como ele conseguiu esse apelido é a pergunta que não quer calar. O epíteto, como o próprio prefere chamar, surgiu na década de 50, quando estava reunido com um grupo de amigos. Abdénago ‘‘tagarelava’’ como ninguém. Até que seu primo Zé de Góis disse: “Esse ‘homi’ fala que nem microfone”. Pronto. Pegou.

Dos 133 anos do Mercado de São José, o eloquente senhor foi testemunha de 60. Sabe, como ninguém, falar do dia-a-dia e da história do lugar, por isso é considerado um patrimônio cultural vivo do mercado. De lá, onde praticamente foi criado, lembra do auge do comércio, quando o entorno ainda tinha moradias. Como exemplo, citou os atuais Mercados da Madalena e da Boa Vista. “Porque eles têm tanto movimento agora? Pois tem gente morando por perto, é rodeado de casas”, acrescentava. O esvaziamento do bairro, com as saídas das residências, e a fixação do comércio, segundo ele, trouxe problemas de público para o Mercado de São José.

Apesar de suas queixas, é lá que o nosso compositor quer terminar seus dias. Depois da morte do irmão gêmeo, em dezembro de 2008, passou a administração do seu box, na praça de alimentação do Mercado de São José, para seu sobrinho, Marcos Leite. Mesmo assim, não se esquece de “bater ponto” no seu miniempreendimento, lugar de encontro de poetas e intelectuais.

Não obstante de sua veia comerciária, graças ao seu ar eloquente e sua cultura, foi narrador do documentário ‘Lambe-Lambe’, gravado em 2008, sob a direção de Guel Arraes. Aos 84 anos, Microfone orgulha-se de seus feitos e diz que está em constante construção, está eterna composição e, para isso, disposição não o falta. À base do jerimum, vegetal favorito dele, e de uma alegria contagiante, Microfone alça voos na direção da imortalidade.

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